quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

MEMÓRIA POLÍTICA


Carlos Acelino

VISIONÁRIO


              Houve um tempo, no inicio da década de 60, que a BR 101 era apenas um projeto e um grande traçado que viria mais tarde dividir nosso município em duas metades.
             Quando Hidalgo Araujo resolveu lotear suas terras, que partiam do atual trevo do Bela Vista até o chamado Travessão (altura da rua Itaguaçu), um padre holandês branquelo, de fala arrastada pelo péssimo português, recém chegado a Barreiros, ganhou quadra inteira do Loteamento Jardim Cidade de Florianópolis, para a construção de uma igreja. Sua visão empreendedora e futurística plantava, bem no coração daquele bairro, um belo cartão postal de São José, a Matriz Sagrados Corações.
             Justino Corstjens contratou o competente arquiteto ilhéu Moisés Liz para elaborar o projeto daquela igreja esquisita, em madeira, que mais parecia uma tenda. Para as concepções da época, escandalizou a todos com seu projeto inovador, pouco elogiado, pois fugia aos padrões habituais das igrejas existentes, sendo uma espécie de Pampulha barreirense, bem ao estilo da nova capital federal do Brasil, recém inaugurada por Juscelino Kubitschek e planejada pelas mentes brilhantes de Oscar Niemeyer e Lucio Costa.
             Em 12 de abril de 1964, logo após o golpe militar, Pe. Justino lançou a pedra fundamental e expôs a maquete da futura igreja na loja Hoepcke da Felipe Schimidt, iniciando sua luta incansável na busca dos recursos necessários ao intento. Nomeado Vigário de Barreiros e instalado na Casa Paroquial da Heriberto Hulse, iniciou uma campanha envolvendo a comunidade, empresários e classe política na busca dos recursos necessários. Alugou um imóvel à beira-mar, nela alojando os padres holandeses que vieram consigo e, na antiga casa paroquial ao lado da capela montou um cinema, que a principio só exibia slides, onde futuramente já se podia assistir ”O Gordo e o Magro”, tudo com ingressos bem baratos. Ali pude ver pela primeira vez “A Queda do Império Romano”, com Sophia Loren, Omar Sharif, Alec Guinnes e James Mason, obra épica que marcou nossas lembranças. Do lado de lá, ficava o salão paroquial, que desativou e alugou para Dona Norma montar uma padaria, onde vendia excelente pão de milho. Mais tarde, a família de Doralice Ramos Pinho, mãe do futuro Vereador Dauri Pinho, ali abriu um bar; mais uma ousadia do clérigo na busca da concretização de seu maior objetivo. O aquariano visionário foi mais além, comprando uma casa de madeira velha e o terreno ao lado da futura Matriz no Jardim Cidade, onde se instalou para acompanhar diuturnamente as obras, pois como diz o ditado, “o que engorda o gado é o olho do dono”.
              Justino Corstjens nasceu na cidade de Holt-Gladbach, Alemanha, em 11.02.1913, tendo ido morar na Holanda com 3 meses. Seus pais, agricultores católicos, mandaram o filho Jacobus Hubertus Corstjens com 20 anos para o seminário, sendo ordenado sacerdote em 31.07.1938. Missionários na essência, os padres holandeses eram totalmente despojados de tudo, deixando trocar o próprio nome. Recém ordenado, veio para o Brasil, servindo seu ministério no Rio de Janeiro, como capelão de hospital em Patrocínio, Minas Gerais e na igreja São Luiz da Agronômica, de onde foi transferido para Barreiros. Com sua simplicidade e dinamismo, o sacerdote começou a fazer história, tendo agregado fieis escudeiros na sua faina, sendo seus principais colaboradores, Laudornino, da Coleta, Maria Laura, secretária geral e Coordenadora de Pastoral e da Ação Social, Maria Angelina, filha de Antenor Valentim da Silva, José Fernandes, Licínio Souza, Jorge Xavier, Manoel Medeiros Borges e José Carlos Cechinel, Vereador e Presidente do Legislativo; por várias vezes Presidente da Ação Social de Barreiros, com Sebastião Furtado Pereira, também Vereador, na tesouraria, os quais em 1970 entraram com projeto de lei na Câmara, dando seu nome para a rua em frente ao templo. Referido projeto também trocou o nome da rua Frontino Coelho Pires para Candido Amaro Damásio e deu o nome de Frontino na travessa posterior à igreja. Na mesma lei foi também nominada a rua Hidalgo Araujo. Para ajudar-lhe no comando da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, criada em 1912, e das capelas agregadas, a Senhor Bom Jesus de Potecas, de 1960, a Nossa Senhora dos Navegantes e São Pedro da Serraria, de 1958, a São Miguel e Santa Rita de Areias, 1975, a São José Operário, do Dona Adélia, 1977, trouxe para Barreiros vários padres, todos holandeses, dentre eles Padre Venâncio, que veio consigo, Agostinho Van Velsen, Agostinho Sielski, os padres brasileiros Claudio, José da Graça Simões, o Irmão Antônio e outros.
               Ao lado da futura matriz cedeu espaço para o Governo do Estado instalar o primeiro posto de saúde de Barreiros, cuja sede definitiva, no Bela Vista foi por ele viabilizada. Fundou a Ação Social de Barreiros e adquiriu imóvel de frente para o cemitério, onde construiu o Instituto São José, lá montando uma fábrica de tijolos, imóvel que foi desapropriado pelo Município na gestão de Gervásio Silva, onde hoje está a Cidade da Criança e a Secretaria de Infraestrutura.
              Com o andamento da obra, as Irmãs Franciscanas de São José compraram a quadra de trás da Matriz e, no terreno, foi construída a Casa Paroquial.  No dia 01.01.1961, Justino chegou em Barreiros num jipe modelo candango, iguais aos que Juscelino utilizou para desbravar o Planalto Central na construção de Brasília. A bordo do estranho veículo, corria atrás dos recursos para as construções e foi buscar o primeiro telefone para Barreiros, que alguns diziam maldosamente ser nosso primeiro telefone público, o qual foi instalado na Casa Paroquial; entretanto, disponível para uso de todos. Na ocasião não existia uma única linha telefônica em Barreiros.
               Justino Corstjens foi transferido para Minas em 1986, prestes a se aposentar. Anualmente vinha a São José rever sua Grande Obra e os amigos. Em 1990 recebeu medalha de mérito “Orange – Nassau” concedida pela rainha da Holanda por seu trabalho em nossa terra. Ao visitar sua família na Holanda, teve um mal súbito no aeroporto daquele país e faleceu em 06.11.1995. No ano de 2008, tantos amigos que cativou trouxeram seus restos mortais e os sepultaram em frente à Matriz, atendendo seu grande desejo manifestado em vida.
       


Pe. Justino assina convênio da LADESC, com Angela Amin. Presentes: Raul Thomás de Souza, Léo Xavier, João Vaz, Valcélio Nazaré dos Santos, Wilibaldo Wesler, Arnaldo Manchein de Souza, Tião Garbelotto e Nilton Severo da Costa. O menino é João Amin, Vereador de Florianópolis. (Foto cedida por Maria Laura Esterkotter de Souza).

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

 GATO ROSA


Minha tia Malvina, num progressivo processo de Alzheimer, estava indignada pois o gato rosa choque enfiou-se sob sua cama. Irritada, tentou enxotá-lo com a vassoura. 
 - Bom mesmo é aquele outro, o verde escuro, que não incomoda.
Passei a refletir sobre o assunto. Ontem a encontrei arrumada, de bata branca, à espera das 16 horas, para ser conduzida à reunião do Apostolado da Oração, que ocorre toda primeira sexta feira de cada mês, e para a qual já havia providenciado a compra de 1kg de arroz e outro de feijão, compromisso do grupo para os pobres. Reclamava que havia perdido a fita vermelha com a medalhinha. Conspirou com meu motorista para levá-la, sem meu conhecimento, e ele já estava de plantão. Tinha incumbido a Patrícia de comprar os mantimentos, e, tudo pronto, bastava entrar na barca para levá-la à igreja perto de sua casa, no Estreito.
Até aí tudo bem, se ela não morasse no Kobrasol. Indaguei se a igreja não era no Kobrasol e respondeu-me que tinha duas igrejas, uma em Campinas e outra no Kobrasol, aquela que tinha uma grande escadaria, que era a sua. Para mim, grande escadaria tinha a igreja de Fátima, no Estreito. Mesmo trocando as bolas, arrisquei mandá-la ao Kobrasol, mas o Grupo do Apostolado tinha mudado o calendário semanal para as terças feiras. Para não perder a viagem, convenceu Patrícia de levá-la então a missa noturna, de 19:30 horas.
Contei o episódio para minhas irmãs e primas e elas ficaram pasmas a que ponto o processo andava. Disse-lhes que estava adorando o episódio mesmo com a confusão gerada, apesar do transtorno que pode ocorrer se ela ficar sozinha em qualquer momento. Ontem já havia soltado o pit bull, num curto tempo em que ficou a sós e não sabia me dizer quem fez isso.
Quando o gato começa a ficar rosa, as maldades da vida já não se apresentam. Quanta coisa ruim ela deixa de absorver nessa plena idade da inocência aos 85 anos! Quanta maldade do mundo passa ao largo e quantos fardos para viver deixa de carregar. Não sabia mais que o World Trade Center tinha desabado com tantas vítimas nem que os EUA fomentavam guerras a custa de sofrimentos humanos para promover a indústria bélica. Nesta fase de alheamento, ignora a moça metralhada no carro com 14 tiros, a crueldade com os animais, o arpoamento da baleia, os gritos dos novilhos arrancados de suas mães para a produção do baby beef, o sofrimento da cadela queimada viva, o pai que mata o filho viciado, a filha que conspira para armar a morte dos pais, a esposa que mata o marido de olho na gorda conta bancária, o bebê queimado com cigarro, os governantes fazendo que governam, a classe política fomentado a discórdia de olho em 2012 e o policial que se une ao bandido.
Como tudo de ruim na vida  tem um lado bom, ela com sua enfermidade, passa uma borracha a todas as maldades e as tenebrosas ações humanas neste mundo destemperado e obsessivo. Por tudo isso, quero concluir minha passagem terrena, tendo o direito de dizer tudo que penso como cidadão, preocupado com a grande guinada moral da humanidade, rumo ao seu auto patíbulo. Quero aos poucos ficar alheio a muita coisa que não me faça crescer espiritualmente, para não absorver o sofrimento dos animais descartados doentes, com fome e sede nas valas e sarjetas, nem ter que ver tantas crianças abandonadas nascerem e serem levadas ao orfanato. Muito menos tentar não notar a deterioração da natureza pela sina insaciável e predatória do homem nesse mundo capitalista e consumista. Para os que se matam na vida por dinheiro ou posição, como diz Paulinho da Viola na sua “Meu mundo é hoje”, espero cada vez mais curtir os reais valores da vida, sem pensar tanto em riquezas materiais. Para aquele que tem tanto e não pensa nos outros vale citar aquela frase antológica: “Ele era tão pobre, mas tão pobre, que só tinha dinheiro”.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

MEMÓRIA POLÍTICA

Carlos Acelino

NOSSA TERRA – NOSSOS BAIRROS


Jardim Santiago: Um bairro, três Presidentes

 O primeiro AVC a gente nunca esquece.
             Já os seguintes...Pois, nesta segunda série sobre o Jardim Santiago, meu bairro de infância, quantas lembranças e um fato curioso: foi ali, em 20 de fevereiro de 2010, 50 anos após, no Bar do Bica, bem na reta da minha casa, quase em frente à da Dona Maria Gorda, que tive meu primeiro AVC. Bem ao lado, ficavam as casas da Maria Sasse, da tia Malvina e do Procópio. Na esquina a casa do João marceneiro, ao lado da venda do Benício e o salão de baile de frente para a BR 101, que animava nossos domingos. Lá de cima, Vilimane e a cacalhada da época atiravam levas de grama e barro para dentro do salão. Num daqueles domingos inesquecíveis, vi meu óculos voar para a pista do salão lotado, sacudido por uma touça, quando curtia da janela, a evolução dos dançarinos. Ali também o Vilimane, num passado não muito distante, circulava de Papai Noel, jogando cascas de berbigão pra galera, ao invés de balas. Num jogo do Bandeirante F.C., em Antônio Carlos, levamos o Papai Noel Vilimane na caçamba e o próprio caiu na porrada, de máscara, barba, bota e cajado, para defender seu time do coração. O AVC no princípio é uma espécie de morte consciente de nossas ações. Sentado à mesa, um formigamento nas mãos e pernas dificultava o descarte e o pouso das cartas. Ao levantar-me para ir ao banheiro desabei sobre as pessoas. Já não detinha mais o controle do meu corpo e dos meus movimentos. Lúcido, porém parcialmente paralisado, pedi socorro. Ainda tive tempo de ir até a farmácia do Nerildo com o Bica na boleia, e constatar uma pressão na estratosfera, para em seguida fazer os demais encaminhamentos. Números que eu desconhecia, pressão em 24, glicemia em 470, indicavam o desastre.
            Voltando às lembranças, o Bandeirante era o melhor time de São José, e jogava no terreno da Dona Doca, onde hoje estão o Compre Fort e o Shopping Ideal. Time bairrista e encrenqueiro, deu ao futebol catarinense o atacante Vavá, do Figueirense, cuja família morava ao lado do campo e a maioria dos filhos e netos de seu Vicente eram bons de bola. Nilton, Vavá, José, Pedro Vicente e mais tarde Xande faziam a festa, com Banana no apito. Grande Banana, que morreu de repente. Tanto fez pelo futebol de várzea de nossa terra e ficou no esquecimento. Na foz do Três Henriques ainda dava para tomar banho na beira-mar, vez por outra retornando para uma surra de mamãe, com sua mão aleijada. Antes porém mandava o Anselmo na frente, buscar a japona quadriculada. Imagine a cena, todo molhado de calção e apanhando de japona. Naqueles dias felizes meu pai certa vez deu uma surra imensa no “point”, o único cão que tivemos em casa. Foi lá que o Vado, irmão do Cici, recebeu o apelido de “farinha de trigo”, sem nunca ter sabido do mesmo. Acelino Pereira botava apelido em todo mundo e tinha um espeto para furar as bolas da rapaziada, quando caiam sobre sua horta. Procópio e João do Tino animavam nossa infância com seus jeitos irreverentes de visitar o bar e tomar os “pitocos”. Procópio de Almeida Barros era concunhado de Odilon Bertolino Sagaz, o Zico, Vereador da Serraria,  junto com Juca, João Amario Jacinto, irmão do prefeito Candinho, políticos mais presentes em nosso meio. Para alegrar as noites, Gido Gaiteiro cantava seus ternos de reis, com um séquito de baderneiros, engordando o cortejo e fazendo malvadezas. Numa época em que ninguém tinha uma arma, era fácil cantar terno de madrugada, com meia dúzia de bêbedos aprontando e jogando areia na gaita. Mesmo assim, na ingenuidade das brincadeiras, aconteciam as tragédias, como o assassinato do grandalhão Agenor pelo franzino Leopoldo Barbeiro, no bar do Cici, ponto final do ônibus ao lado do futuro prédio do João Tipiti, o João Machado, cunhado do saudoso João Martins. Para quem não sabe, “tipiti” é um cesto cilíndrico onde se põe a massa de mandioca que se vai espremer. Como as brincadeiras eram ingênuas e puras! Roubar laranjas nas terras do Chico Amaral com o Nego Mi e ser escoltado até a BR - 101 por ele, de espingarda em punho. Com tanta história, o Jardim Santiago deu ao município três presidentes da Câmara Municipal: José Natal Pereira, da rua Heriberto Hulse, Carlos Acelino, morador da Primeiro de Maio e o meu aprendiz de coroinha na capela Nossa Senhora de Lourdes, Neri Amaral, tudo com direito a banho de mar nos fundos da casa paroquial, sob o olhar atento e paternal do padre Cláudio.