quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Memória Política

Carlos Acelino 


Escrito Nas Estrelas


Quando penso em reclamar da vida me lembro de Iran. E me refaço, a recordar de tudo que tive, do que conquistei, graças à estrutura familiar. Eu tive, um pai, uma mãe e irmãos a guiar os meus passos, a me fazer estudar e trabalhar, a corrigir minha rota, mandar-me insistentemente ir à luta.
Iran veio ao mundo cinco meses antes do pai falecer. Sávio traficava cocaína e maconha, já tinha três filhos, com Rosana, a “Maluca” e a engravidou pela quarta vez, quando contraiu HIV.
Do Hospital Nereu Ramos, mandava ver. Recebia drogas e as distribuía, mesmo com sérios problemas respiratórios.Os laranjas do mangue, no Saveiro, faziam os “corres”: Maluca, Bidu, Nena, Lageaninho e outros mantinham o comércio ilegal, nos barracos da favela. Ao ficar doente Sávio foi internado e os filhos Saviana, João Vitor e Luca foram mandados para parentes da “Maluca” em Caxias do Sul. Sozinha, delirando no consumo de crack e cocaína, ela pariu, já infectada pela AIDS. Sávio já tinha partido para o além em abril de 1998. Iran nasceu em janeiro de 1999, baixo peso, pesava 2,600 Kg e tinha refluxo. Por precaução a Maluca resolveu não amamentar a criança e, já afastada dos outros três filhos, entregou Iran com um mês de idade para o padrinho lá no Mangue e evaporou-se. Até hoje não se tem noticias dela. Viveu num tempo em que não haviam inventado os coquetéis, provavelmente está debaixo do barro. Lageaninho o padrinho de Iran, nas limitações do barraco, internou a criança no HU por 30 dias e em 9 de Setembro pegou cana por trafico, 10 anos.
Iran ficou aos cuidados de Bidu, parceria de Lageaninho que caiu na pedra, não lhe banhava e o alimentava mal e porcamente. Foi nesse estado de descaso e abandono, encolhido sobre um colchão imundo, que Iran foi recolhido pela prostituta Nena, amiga de Bidu quando foi lá comprar fumo. Era um “ratinho” só cabelo e sujeira desnutrido, só no risco e na catinga, mas vivo. Iran não existe legalmente. Nena nunca o registrou, com medo de perder a criança. Estou há meses tentando fazer seu registro civil. Após buscas constantes, consegui fotos de sua dispersa família com Lageaninho, que, após cumprir os 10 anos de cadeia, sossegou o facho e converteu-se para a Igreja Mundial do Poder de Deus, sendo hoje um homem de bem.
A história de Iran bateu em minha porta e foi obra do destino. Sua origem hostil me emocionou. Estava escrito nas estrelas. Analisando as fotos, reconheci seu pai, que conviveu conosco por muito tempo nas baladas do 1º de Maio e residia no Chalé Campeche, onde também morei por um tempo.
Sobreviventes
Nena está velha e sossegada. Quando saiu da cadeia passou a catar papelão, de carrinho, na companhia do cachorro Lobo. Teve quatro filhos de três pais diferentes, um deles surdo-mudo. Criou e sustentou todos vendendo drogas, portanto, sem aposentadoria.
Sávio iniciou no trafico em 1990, quando pegou 3 anos e 3 meses de cadeia pela primeira vez, por porte de 35 gramas de cocaína. Ao sair da cana, retornou com força total no tráfico Bidu era filha de Maninha, prostituta, que também gerou Baco, fuzilado no mundo das drogas e Baca, morta por HIV. Sabrina a filha de Baco, com 13 anos já esta fazendo ponto. Francielle, filha da Bidu tem 3 filhos, de dois pais diferentes, um deles também preso por tráfico. Nena fazia ponto no trevo com Maninha, traficou muita maconha e puxou cana com ela. Acolheu em sua casa 6 travecos, quatro deles já falecidos por HIV. Seu filho Tirso também foi fuzilado por traficantes e casou com Deise, que foi presa como mula no Paraguai e faleceu recentemente por HIV, deixando uma filhinha de 10 anos infectada. Deise teve um segundo filho com outro traficante, que hoje também manda ver.
O irmão de Deise seguiu a sina. Com 24 anos caiu no crack e enforcou-se no banheiro.
Tirso teve outro filho, com mulher diferente e hoje está servindo o exército. Ele viu sua mãe, que tem mais 5 filhos de pais diferentes, umas cinco vezes na vida.
Iran esta com 14 anos estuda na 7º série, não tem um documento, e sonha com seu registro civil para entrar no bolsa família. Anda a cavalo, operou a orelha cabana e vai botar aparelho nos dentes. Só viu seus pais e irmãos, ainda pequenos, pelas fotos. Ajuda-me diariamente no cuidado com os animais abandonados. Mas o conselho tutelar já foi acionado por algum hipócrita que me denunciou por exploração de trabalho infantil e outras maldades. Como diz o dito popular, “pra dar pro papai não tem ninguém, mas pra c.... a mamãe ta cheio”.



terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Memória Política

Carlos Acelino 


Adeliana – 26° Mandato


Mulher não votava no Brasil Colonial. Muito menos durante o Império nem em toda a Velha República. O direito ao voto feminino somente foi conquistado com Getúlio Vargas, em 1937. Entretanto, quando foi fundada a vila de São José, e construída a primeira escola, foi chamada uma mulher para dirigi-la, Eufrasia Xavier Caldeira.
Apesar da maioria da população josefense historicamente ser sempre feminina, Adeliana Dal Pont é a primeira mulher a se tornar Prefeita em nossos 263 anos de história. Já em 1833, São José tinha 4.261 mulheres e 4.042 homens.
Até os dias de hoje, a cidade teve 26 mandatos de Prefeito, exercidos por 23 cidadãos ao longo da história. O cargo de prefeito foi criado com a Constituição Estadual de 1928. Em toda nossa vida política, apenas dois cidadãos estiveram nesse cargo mais de uma vez. Germano Vieira ocupou o poder por 3 vezes, sendo o único Prefeito afastado pela Câmara Municipal (1994). Dário Berger, comandou o Executivo por dois mandatos. No curso de nossa vida política, apenas 3 Prefeitos renunciaram: Silvestre Phillipi, em 1954, por problemas pessoais, Geci Thives, 1980, para concorrer a Deputado Estadual e Dário Berger, 2004, indo disputar em Florianópolis, onde foi Prefeito por 8 anos.
Quando Silvestre Phillipi renunciou em 1954, Gentil Sandin, Presidente da Câmara, assumiu a Prefeitura.
Com a renúncia de Geci Thives, seu vice Waldir Assis Kretzer também renunciou e a Câmara elegeu Constâncio Krummel Maciel para o mandato – tampão, com um novo vice, João Vaz.
Embora o povoado de São José da Terra Firme fosse fundado em março de 1750, só passou a existir como município 83 anos depois. Em todo o período, a cidade era uma freguesia de Desterro, atual Florianópolis, na qual seus habitantes participavam da vida política (votavam e eram votados na Ilha). Em março de 1833, São José foi elevado à Vila (Município) e criou suas primeiras instituições legais. A primeira Câmara Municipal, criada em 1º de março e instalada no dia 3, com seus 7 vereadores foi formada por João Vieira da Rosa, Presidente, que acumulava as funções de Prefeito, Thomas José da Costa, Silvestre José dos Passos, Luiz Manoel de Medeiros, João Ignácio Bernardino da Silva, Francisco da Costa Porto e Joaquim Pedro Teixeira. De 1833 até a Proclamação da República (1889), a função de Prefeito era exercida pelo Presidente da Câmara. Com uma população de 8.313 habitantes, a primeira eleição josefense ocorreu em 1834. Com a Proclamação da República, em 1889, foram criados os Conselhos Municipais, substituindo as Câmaras e a direção do Poder Executivo passou a ser do Superintendente Municipal, cargo para o qual era eleito e que também acumulava as funções executiva e legislativa. As novas regras valeram até a Constituição de 1928, quando foi criado o cargo de Prefeito, separando os dois Poderes. O cargo de Vice-Prefeito só passou a existir com a Constituição de 1969.
Os únicos Vice-Prefeitos a ocupar a cadeira do Executivo foram Gervásio Silva, em 1994, pelo afastamento de Germano Vieira, através da Câmara e Vanildo Macedo, em 2004, com a renúncia de Dário Berger. O primeiro Prefeito eleito democraticamente em São José, João Machado Pacheco Júnior, em 1936, ficou no cargo até novembro de 1937, na breve democracia de Getúlio Vargas. Getúlio convocou eleições gerais em março de 1936 e em novembro de 1937, instalou o Estado Novo, extinguiu as Câmaras Municipais, destituiu Prefeitos e Governadores e nomeou interventores nos Estados e Municípios. João Machado foi reconduzindo como interventor e ficou até 1941.
No período do Estado Novo (1930-1945), 4 Prefeitos foram nomeados: João Luiz Buchele Junior, 1930, Gregório Phillipi, 1931, João Machado Pacheco Junior, 1933 e 1937 e Pedro Antonio Mayvorme, 1941. Com a abertura politica em 1946, Arnoldo Souza foi eleito pelas urnas. Com problemas de saúde, por várias vezes afastou-se do cargo, que foi ocupado pelo Presidente da Câmara, Virgilino Ferreira de Souza.
Na política de outrora, quando os Presidentes do Legislativo mandavam no município o Coronel Luiz Ferreira do Nascimento e Melo foi recordista, permanecendo no cargo por 7 vezes, seguido do João Luiz Ferreira de Melo, que teve 4 mandatos.
O primeiro Presidente do Legislativo João Vieira da Rosa exerceu por 2 vezes essas funções. Todos acumulavam a Presidência da Câmara e a chefia do Poder Executivo à exceção de Francisco Adão Schmidt, que com o advento da República foi eleito Superintendente Municipal e permaneceu no Poder por 2 mandatos.
Ao longo de nossa história apenas 3 mulheres tentaram a eleição para Prefeita: Marli Marçal em 1992, perdeu a eleição para Germano Vieira por 285 votos. Esther Macedo tentou contra Dário Berger em 2004, fazendo inexpressiva votação. Adeliana se lançou em 2008, ficando em segundo lugar dentre os 5 candidatos e no ano passado surpreendeu a todos com mais de 60% dos votos. Seu desafio será reescrever a história do município cuja elite política predominantemente machista desde a chegada dos açorianos sempre vetou mulheres no poder. Dos 23 prefeitos josefenses 8 continuam vivos: Cândido Amaro Damásio, Constâncio Krummel Maciel, João Adalgísio Phillippi, Gervásio Silva, Vanildo Macedo, Dário e Djalma Berger e Fernando Melquíades Elias. E Adeliana, lógico, na sua juventude, com tamanho compromisso e responsabilidade. Seu êxito dependerá da habilidade em compartilhar o Poder com o Parlamento.
Algo que os dois últimos gestores não souberam conduzir, e o reflexo foi tácito nas urnas.



Silvestre Philippi - 8° mandato (Terceiro sentado): sua renúncia é mistério.
 A carta de renúncia parece a Carta Testamento de Getúlio Vargas, 
que suicidou-se 3 meses antes dele deixar o cargo (1954)


Prefeitos de São José