Escrito Nas Estrelas
Quando penso em reclamar da
vida me lembro de Iran. E me refaço, a recordar de tudo que tive, do que
conquistei, graças à estrutura familiar. Eu tive, um pai, uma mãe e irmãos a
guiar os meus passos, a me fazer estudar e trabalhar, a corrigir minha rota,
mandar-me insistentemente ir à luta.
Iran veio ao mundo cinco
meses antes do pai falecer. Sávio traficava cocaína e maconha, já tinha três
filhos, com Rosana, a “Maluca” e a engravidou pela quarta vez, quando contraiu
HIV.
Do Hospital Nereu Ramos,
mandava ver. Recebia drogas e as distribuía, mesmo com sérios problemas
respiratórios.Os laranjas do mangue, no Saveiro, faziam os “corres”: Maluca,
Bidu, Nena, Lageaninho e outros mantinham o comércio ilegal, nos barracos da
favela. Ao ficar doente Sávio foi internado e os filhos Saviana, João Vitor e
Luca foram mandados para parentes da “Maluca” em Caxias do Sul. Sozinha, delirando
no consumo de crack e cocaína, ela pariu, já infectada pela AIDS. Sávio já
tinha partido para o além em abril de 1998. Iran nasceu em janeiro de 1999,
baixo peso, pesava 2,600 Kg e tinha refluxo. Por precaução a Maluca resolveu não
amamentar a criança e, já afastada dos outros três filhos, entregou Iran com um
mês de idade para o padrinho lá no Mangue e evaporou-se. Até hoje não se tem
noticias dela. Viveu num tempo em que não haviam inventado os coquetéis,
provavelmente está debaixo do barro. Lageaninho o padrinho de Iran, nas limitações
do barraco, internou a criança no HU por 30 dias e em 9 de Setembro pegou cana
por trafico, 10 anos.
Iran ficou aos cuidados de
Bidu, parceria de Lageaninho que caiu na pedra, não lhe banhava e o alimentava
mal e porcamente. Foi nesse estado de descaso e abandono, encolhido sobre um
colchão imundo, que Iran foi recolhido pela prostituta Nena, amiga de Bidu
quando foi lá comprar fumo. Era um “ratinho” só cabelo e sujeira desnutrido, só
no risco e na catinga, mas vivo. Iran não existe legalmente. Nena nunca o
registrou, com medo de perder a criança. Estou há meses tentando fazer seu
registro civil. Após buscas constantes, consegui fotos de sua dispersa família com
Lageaninho, que, após cumprir os 10 anos de cadeia, sossegou o facho e
converteu-se para a Igreja Mundial do Poder de Deus, sendo hoje um homem de
bem.
A história de Iran bateu em
minha porta e foi obra do destino. Sua origem hostil me emocionou. Estava
escrito nas estrelas. Analisando as fotos, reconheci seu pai, que conviveu
conosco por muito tempo nas baladas do 1º de Maio e residia no Chalé Campeche,
onde também morei por um tempo.
Sobreviventes
Nena está velha e sossegada.
Quando saiu da cadeia passou a catar papelão, de carrinho, na companhia do
cachorro Lobo. Teve quatro filhos de três pais diferentes, um deles surdo-mudo.
Criou e sustentou todos vendendo drogas, portanto, sem aposentadoria.
Sávio iniciou no trafico em
1990, quando pegou 3 anos e 3 meses de cadeia pela primeira vez, por porte de
35 gramas de cocaína. Ao sair da cana, retornou com força total no tráfico Bidu
era filha de Maninha, prostituta, que também gerou Baco, fuzilado no mundo das
drogas e Baca, morta por HIV. Sabrina a filha de Baco, com 13 anos já esta
fazendo ponto. Francielle, filha da Bidu tem 3 filhos, de dois pais diferentes,
um deles também preso por tráfico. Nena fazia ponto no trevo com Maninha,
traficou muita maconha e puxou cana com ela. Acolheu em sua casa 6 travecos,
quatro deles já falecidos por HIV. Seu filho Tirso também foi fuzilado por
traficantes e casou com Deise, que foi presa como mula no Paraguai e faleceu
recentemente por HIV, deixando uma filhinha de 10 anos infectada. Deise teve um
segundo filho com outro traficante, que hoje também manda ver.
O irmão de Deise seguiu a
sina. Com 24 anos caiu no crack e enforcou-se no banheiro.
Tirso teve outro filho, com
mulher diferente e hoje está servindo o exército. Ele viu sua mãe, que tem mais
5 filhos de pais diferentes, umas cinco vezes na vida.
Iran esta com 14 anos
estuda na 7º série, não tem um documento, e sonha com seu registro civil para
entrar no bolsa família. Anda a cavalo, operou a orelha cabana e vai botar
aparelho nos dentes. Só viu seus pais e irmãos, ainda pequenos, pelas fotos.
Ajuda-me diariamente no cuidado com os animais abandonados. Mas o conselho
tutelar já foi acionado por algum hipócrita que me denunciou por exploração de
trabalho infantil e outras maldades. Como diz o dito popular, “pra dar pro
papai não tem ninguém, mas pra c.... a mamãe ta cheio”.