Brasil Cativeiro
“13.05.1888: Lei Aurea foi o
estopim para a Proclamação da República”.
Por
mais de 350 anos o Brasil foi o principal cativeiro do ocidente. Nesse período
todo trabalho e riqueza gerados no país enriqueceu a Coroa Portuguesa, o
Império Brasileiro, os grandes proprietários, fazendeiros da cana-de-açúcar e
do café e os extratores de ouro e diamantes. Riqueza construída com sangue,
suor e lágrimas. Fontes históricas registram que dez milhões de africanos foram
sequestrados de suas casas, amontoados nos navios negreiros e traficados para o
continente americano, 40% deles para o nosso país. Com o inicio da
industrialização na Europa as relações de trabalho e emprego sofreram mudanças
em todo o mundo. A Inglaterra, maior potência dos séculos 18 e 19, aboliu o
trabalho escravo em 1807, impondo um processo de perseguição aos países que se
sustentavam na escravidão. Navios ingleses patrulhavam o litoral brasileiro,
atacavam os portos, confiscavam as cargas humanas e julgavam e condenavam nos
tribunais ingleses os mercadores, devolvendo os cativos à África.
A
perseguição sem trégua ao comercio escravocrata internacional gerou mudanças na
consciência nacional contra os que viviam desse lucrativo negócio, os quais
compravam um indivíduo por 30 mil réis e o revendiam aqui por 20 vezes mais.
Embora
uma lei de 1831, tenha abolido oficialmente o trafico negreiro ela nunca foi
respeitada. O Brasil, maior território escravista do hemisfério, foi o ultimo
país a acabar com a escravidão. Os últimos embarques ocorreram por volta de
1856. A Lei Eusébio de Queiroz, 1850, ficou no faz de conta. Tendo proibido a
importação de escravos, ela gerou um tráfico interno de mais 300 mil homens.
Donos dos engenhos de açúcar em decadência no nordeste passaram a vender seus
escravos para os barões do café de São Paulo e Minas e o preço do mercado
escravista triplicou de 1855 a 1875. O movimento abolicionista iniciou com o
pioneiro Luís Gama, negro vendido pelos pais em dificuldades financeiras, que
sentiu a escravidão na pele tornou-se advogado e passou a defender sua raça nos
tribunais. O Imperador Dom Pedro II tinha muitas reservas contra o movimento,
temeroso de ferir os interesses da aristocracia rural que sustentava a
monarquia e queria, em caso de abolição, indenização maior que todo o Orçamento
do Império. Para os abolicionistas eram os negros que deveriam ser indenizados
por todo o mal a que foram submetidos em vida. A Lei do Ventre Livre, 1871,
declarou livres doravante todos os nascidos, os quais poderiam morar com seus
pais nas senzalas até os 6 anos e após, deveriam ser entregues ao governo, por
600 mil réis, o que pouco aconteceu.
Para
o controle foi instituído o registro de nascimento nas paróquias e a Igreja
Católica, em conivência com os escravocratas, fraudava as Certidões de
Nascimento. Onze anos após a Lei apenas 58 crianças tinham sido devolvidas em
todo o país. As demais foram mantidas no trabalho escravo e nas senzalas.
Mesmo
assim o movimento tomou corpo, sendo a campanha com maior participação popular
de nossa história, levando multidões aos comícios e manifestações públicas,
provocando acirrados debates no Parlamento e empolgando a consciência de toda a
nação. Panfletos, manifestos e livros contra a escravidão eram produzidos aos
milhares e associações abolicionistas se multiplicaram. Ao movimento se
juntaram figuras históricas como Joaquim Nabuco, Olavo Bilac, José do
Patrocínio, Castro Alves, Rui Barbosa e o engenheiro André Rebouças. Em 1884 um
panfleto anônimo pregava que “a escravidão é irmã gêmea da monarquia”.
José
do Patrocínio era um jornalista agressivo e polêmico e Joaquim
Nabuco filho do Padre João Carlos Monteiro, vigário de Campo dos Goitacazes, Rio
de Janeiro, com uma de suas inúmeras escravas, das quais usava e abusava, tendo
com elas inúmeros filhos, situação não diferente em todos os cantos do país. A
igreja por seu lado fazia vistas grossas à escravidão e só se manifestou
publicamente contra ela em 1887, pedindo a Isabel que o exército não mais fosse
usado para caçar os escravos fugitivos, que já somavam cerca de 10 mil só em São
Paulo.
Em
1885 saiu a Lei dos Sexagenários, libertando os poucos escravos que
sobreviveram até os 60 anos. Para o movimento abolicionista libertá-los no fim
da vida era abandona-los à própria sorte, justamente quando mais precisavam da
ajuda de seus senhores. No ano de 1884, as Províncias do Ceará e Amazonas foram
as primeiras a abolir a escravidão. Um episódio marcante chocou todo o país e
acelerou a campanha. Em 1886, cinco cativos foram presos em Paraíba do Sul, Rio
de Janeiro, acusados de matar o capataz. Um deles pegou prisão perpétua e os
demais foram condenados a trezentas chibatadas, pena tão pesada, que levou três
dias para ser cumprida. Ao final, os quatro foram obrigados a voltar a pé para
as fazendas onde trabalhavam; dois deles morreram no caminho e os outros dois
desmaiaram e foram transportados em carro de boi. Com o movimento em grande
ebulição, medidas paliativas já não surtiam efeito e davam sinal da proximidade
da libertação. Em junho de 1887 o Imperador, cansado e doente, foi para a
Europa, deixando a regência do trono com a filha, Princesa Isabel. Com a batata
quente nas mãos a princesa, pressionada até pelos dois filhos, libertou os
escravos de Petrópolis, capital do Império e no 13 de
maio assinou a Lei Áurea, abolindo a escravidão mas não o seu legado. Um legado
de preconceitos e luta pela sobrevivência e melhores condições sociais, que perdura
até hoje.
Fontes:
Laurentino Gomes, “1889”; Mary Del Priori e Renato Venâncio, “Uma Breve
História do Brasil”