sexta-feira, 26 de abril de 2013

Memória Política

Carlos Acelino 



DICIONÁRIO DA MARIA
   Vocábulos e expressões açorianas


Minha avó paterna era polonesa, Izaltina Prats. De meu avô Manoel Pereira herdei os vocábulos açorianos que tanto me fascinam, muitos deles nunca reconhecidos pelo Aurélio. Mamãe Maria era perita em linguagem açoriana. Quase tudo que falava tinha a marca inconfundivel da fala cantada, típica do manezês da Ilha de Santa Catarina e arredores. Em homenagem a ela passei a escrever o “Dicionário da Maria”, fantástico apanhado de tudo o que ouvi na vida. Alguns termos ficaram perdidos no tempo, outros surgem de repente em conversas do dia a dia.
Ao visitar minha irmã Jali, a encontrei atatarantada tirando a cascorra da panela. Reclamou estar brasina do assado de forno e prá complicar havia espetado uma talisca muito doída no dedo.
É impressionante a quantidade de palavras e gírias de origem açoriana, que que sempre nortearam a comunicação de nosso povo. Algumas soam rídiculas e engraçadas, mas é inegável que todas são derivativas de fatos e coisas concretas, com muito sentido.
Eu já tive um cabelão e acordava com ele desgrenhado e mamãe dizia: “tá com a cabeça que é um caipora.” Anos mais tarde, descobri numa revista que caipora é um ser mitológico tupi, cuja cabeça bem parece a do Raul Seixas ou do Nando Reis no tempo da banda “Os Infernais”.
O Professor Amaro Seixas Neto em “O falar da Ilha SC” dizia que nosso povo herdou a velocidade lusitana de falar e o som cantado português como no Minho, no Douro, Trás-os-Montes e nos Açores, e muitos vocábulos datam do século XVI. Um tratado sobre o tema é o fantástico “Dicionário da Ilha” de Fernando Alexandre, escritor alagoano que já morou em Florianópolis e trabalhou no Jornal O Estado.

Vamos relembrar algumas dessas maravilhas:

A bença – a benção
A tua que é mais perua – resposta prá quem xinga a mãe
A valença – ainda bem que
Acocar – ficar de cócoras, sobre os calcanhares
Ajutório – Ajuda
Alemoa – alemã
Alumeio – claridade
Amanhece e o boi não brinca – demora
Antes que mali pergunte – desculpe a intromissão
Aprecatar – prevenir
Arcalho – à toa, coisa ou pessoa velha, que não serve prá mais nada.
Argolado – duro, sem grana
Aribu – urubu
Arrastar a asa – paquerar, oferecer-se, ficar a fim
Arrumar prá cabeça – meter-se em confusão, puxar encrenca
Às veras – prá valer, de verdade
Assuntá – prestar atenção
Ataque de bicha – escândalo, convulsões em criança com vernes.
Ataque de pelanca – crise ou ataque histérico, banal
Atoleimada – tola, abobada
Brasina – esfogueada, queimada do sol
Caco – á toa, mala, sem escrúpulos, objeto estragado e sem valor (Aurélio)
Caipora – cabelo desgrenhado, maltratado, sujo, desalinhado
Carcar – empurrar, encher, entulhar
Casqueiro (essa é atualíssima) – viciado em crack, pedra
Curriqueira – mulher que não para em casa, vive fofocando na vizinhança
Dijahoje – ainda a pouco
Derriada – Jogada (na cadeira), estarrada, derreada
Desmazelado – relaxado, mal arrumado, desarrumado
Dor nas cadeiras – dor nas costas
Empalamado – tristonho, doente, fraco, adoentado
Gadanho – garra, unha
Godera – Gulosa
Indês – ovo chamarisco, deixado no ninho, para que a galinha ponha no mesmo lugar
Istepô – não é coisa boa, não presta (pessoa), usado também de forma carinhosa
Istrovar – atrapalhar, complicar, (de estorvo)
Levado da casqueira – danado, perigoso, aprontão, travesso
Lonquear – tirar um pedaço (do corpo) com objeto perfuro cortante.
Malfazejo – malvado, amigo de fazer o mal (Aurélio)
Mandrião – malandro, preguiçoso
Matulo – caroço na pele, cisto, inchaço, calombo
Ontonte – anteontem
Paranho – teia de aranha
Pianço – falta de ar, asma
Pinguelo – pênis, referencia ao órgão genital masculino
Pinta da mãe – xingamento referindo-se à vulva da genitora
Presepeiro – bobo, gabola, palhaço
Puto da cara – bravo, irritado
Rebardaria – bagunça
Telha corrida – esquecido, fraco da cabeça, desmemoriado, doido
Vai prá brisa – vá à merda
Vai te catar – vá as favas
Varijão – homem alto e magro
Vasilha – à toa, caco, sem escrupulos ou princípios.
Zarro – sem vergonha, à toa, que não presta

Cabelo de “caipora”. Como disse Sidney Magal: “esse poodle sou eu”
 

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Memória Política

Carlos Acelino 


Também, por quê?
“Banana”, cidadão de Barreiros



            Em tempos de eleição, rivalidades bairristas despertam disputas pessoais e atitudes extremas e hilárias. Na eleição de 2000, a tropa de choque de meu aprendiz de coroinha Neri Amaral espalhou em Areias que eu estava com AIDS. Não era pra menos. Havia perdido 6kg no estresse da campanha e eles inventaram a maldosa curiosidade, que me rendeu uns votinhos a mais nas urnas. “Coitadinho, tá com AIDS, vou votar nele”.
            Até hoje cruzo com velhinhas amigas, ansiosas pela minha melhora, se estou bonzinho, fiquei muito tempo internado, se fui para Curitiba me tratar, etc. Para algumas eu respondo que os coquetéis de hoje em dia são excelentes.
Não guardo essas neuras na gaveta, nem mágoas, não absorvo as porradas, mesmo porque sou assumidíssimo na minha opção sexual, nunca tive máscaras e bem cedo saí do armário, consciente de que a sexualidade não faz o homem.
Conheço tantos machões verdadeiras mãezonas, que avacalhavam com as bibas, mas há anos nunca os vi com uma mulher, embora assoviem e fazem gracinhas em grupo, na passagem delas. E outros quando tem a sorte de topar com uma mariposa na calada da noite, logo querem chegar aos finalmente. Como também sou vítima dos rótulos, o que me irrita é que sou muito mais homem que a maioria deles, mas só eu que levo a fama.
Sem falar nos que caçam travecos no silêncio da cidade adormecida, querendo ser seduzidos por uma caricatura de fêmea. É a fantasia da libido reprimida, disfarçada por máscaras que só caem na madruga ou na privacidade de um quarto. Como acho tudo muito humano e nada me é estranho, dou corda e troco para muitas gozações.
Quantas viagens fiz com vários héteros e eles babavam ao ver uma gatona, comentando, possivelmente para me provocar: “que tesão”, e eu respondia de pronto: “obrigado”.
Quando me tornei Presidente da Câmara pela primeira vez, meu amigo Édio viajou na gozação, dizendo que seria muito engraçado me ver presidindo a sessão de salto agulha, unhas postiças azuis, dedinho arqueado para chamar os colegas vereadores.
Fui Presidente por dois mandatos e sempre tive o respeito e a amizade de todos. Só coloquei o salto alto e a meia arrastão no Zé Folia 2012, na Beira-Mar.
No bar do Bica, jogando tranca, muitas vezes me comentam ao ver alguém da irmandade: “Aquele cara ali é barrote também”. E eu, sem ficar por baixo: “Também por quê?”.
Bichas antológicas sempre encantaram todas as cidades. Em Floripa tinha o Nézinho, o Armandinho, o Dico a Draga, a Brigite e outras tantas.
As mais famosas de São José foram o Caju da Sombra, o Pão de Leite, o Nelsinho, o Chico da Carola o Peta e, claro, o Banana.
Caju da Sombra era uma biba comedida, discreta, que passava as tardes caçando na janela, na Praia Comprida. Era tão moça, mas tão moça, que tinha até uma almofadinha de apoio na forra da janela, para não assar os cotovelos.
Banana era original. Com seu topete engomado de brilhantina, não desmunhecava e se não abrisse a boca, difícil acreditar que era boiola.
Newton José Kuhnen, o Banana era o que os chacoteiros tacham de maricão, viado, biba, baitola, bóca, fruta, barrote, copo, bambi, mãe, moça, marica, barbie, libélula, fresco e outros tantos adjetivos. E haja criatividade popular: dá a ré no kibe, peida na farofa, quebra louça, bate facão, queima rosca.
Como dizem na gozação, Banana “dormia na caixa”, era “carrinho do paraguai”, mas um grande ser humano.
Fez história na várzea metropolitana, apitando partidas, escalando times, fazendo massagens. Atuou em todos os campos de futebol de nossa região, com seu inseparável agasalho azul, da cor da pochete, (era avaiano). Corria o jogo todo e empunha respeito aos marmanjos boleiros, briguentos, numa época em que as partidas sem policiamento dificilmente acabavam sem pancadaria. Quando os ânimos se exaltavam e as coisas fugiam ao controle, ele baixava as calças e mostrava a bunda branca pra galera, serenando os ânimos. Quando não era possível continuar a pelada, encerrava o jogo e saia xingando aos berros: “suas machorras, vão jogar futebol”.
É impossível contar quantos atletas carimbaram o passaporte com o Banana. A fama é grande, perguntem pro Neri, que batia bola no Bandeirante, onde hoje é o Shopping Ideal, e vivia nos Campos  do Nacional, São Geraldo, Ipiranga, América, e tantos outros de Biguaçu, Palhoça, Antônio Carlos e Santo Amaro.
Newton desde pequeno vendia banana recheada nos campos, para ajudar a mãe Alvina, que criava cabras e até sua morte trabalhou de vigilante. Diziam que fazia horrores com as toalhinhas que cobriam as bananas. Morava na Álvaro Medeiros Santiago ao lado do Giassi. Certa vez ao visitá-lo, a evangélica Dona Alvina reclamou que ia morrer e não ver seu filho casar. Ele replicava que as mulheres eram todas umas quengas, e casamento era coisa séria. Dona Alvina argumentava que não era bem assim, procurando bem se acha uma moça boa pra casar. Tem mãe que é cega.
Banana era um cidadão de bem e do bem. Trabalhador, honesto, cumpridor de seus deveres, sempre sóbrio, não bebia nem se drogava, seu único vício era o cigarro. A cidade de São José lhe deve um tributo. Está aí uma boa dica para aprovar honraria e dar nome de rua a Newton José Kuhnen.
Banana morreu de repente e nunca mais se falou dele. Um grande cidadão que muito trabalhou e se dedicou ao futebol amador de nossa Terra.
Aos que lhe faziam chacota, Banana ameaçava com um caderninho que ia deixar para a posteridade. Não teve tempo, morreu cedo e jovem, deixando alguns plantéis aliviados.
Salve Banana!

Em tempo: quem “dorme na caixa” é boneca e “carrinho do Paraguai” é aquele com que a gente dá só uma brincadinha e já vai soltando a rodinha.




Chocolate FC – Areias. De pé: Paulinho, João da Salga, Cezinha, Bá, Careca, Ico, Seda e Banana. Agachados: Os irmãos Henrique, Eduardo e Edmilson, Adriano, Pelela e Laro.


 O centroavante Vavá (falecido) e o ponta esquerda Moacir (ou Franciele, um dos melhores do nosso tempo). Moacir também dorme na caixa e é técnico em enfermagem.



São Pedro FC de Areias. De pé: Célio, Batista, Zé, Pequeno, Norinho, Tinho e Gilmar. Agachados: Boné e o filho Alex, Valdenésio e o filho Kleber, Lica, Nilsinho, Nauri e Vavá.



Campo do São Geraldo. Lica, Acelino e Tony (Juiz). No local, frente ao CTG Peitoral de Ouro, foi construído um conjunto residencial com vários prédios.