DICIONÁRIO DA MARIA
Vocábulos e
expressões açorianas
Minha avó paterna era polonesa, Izaltina Prats. De meu avô
Manoel Pereira herdei os vocábulos açorianos que tanto me fascinam, muitos
deles nunca reconhecidos pelo Aurélio. Mamãe Maria era perita em linguagem
açoriana. Quase tudo que falava tinha a marca inconfundivel da fala cantada, típica
do manezês da Ilha de Santa Catarina e arredores. Em homenagem a ela passei a
escrever o “Dicionário da Maria”, fantástico apanhado de tudo o que ouvi na
vida. Alguns termos ficaram perdidos no tempo, outros surgem de repente em
conversas do dia a dia.
Ao visitar minha irmã Jali, a encontrei atatarantada tirando
a cascorra da panela. Reclamou estar brasina do assado de forno e prá
complicar havia espetado uma talisca
muito doída no dedo.
É impressionante a quantidade de palavras e gírias de origem
açoriana, que que sempre nortearam a comunicação de nosso povo. Algumas soam
rídiculas e engraçadas, mas é inegável que todas são derivativas de fatos e
coisas concretas, com muito sentido.
Eu já tive um cabelão e acordava com ele desgrenhado e mamãe
dizia: “tá com a cabeça que é um caipora.”
Anos mais tarde, descobri numa revista que caipora é um ser mitológico tupi,
cuja cabeça bem parece a do Raul Seixas ou do Nando Reis no tempo da banda “Os
Infernais”.
O Professor Amaro Seixas Neto em “O falar da Ilha SC” dizia
que nosso povo herdou a velocidade lusitana de falar e o som cantado português
como no Minho, no Douro, Trás-os-Montes e nos Açores, e muitos vocábulos datam
do século XVI. Um tratado sobre o tema é o fantástico “Dicionário da Ilha” de
Fernando Alexandre, escritor alagoano que já morou em Florianópolis e trabalhou
no Jornal O Estado.
Vamos relembrar algumas dessas maravilhas:
A bença – a benção
A tua que é mais perua – resposta prá quem xinga a mãe
A valença – ainda bem que
Acocar – ficar de cócoras, sobre os calcanhares
Ajutório – Ajuda
Alemoa – alemã
Alumeio – claridade
Amanhece e o boi não brinca – demora
Antes que mali pergunte – desculpe a intromissão
Aprecatar – prevenir
Arcalho – à toa, coisa ou pessoa velha, que não serve prá
mais nada.
Argolado – duro, sem grana
Aribu – urubu
Arrastar a asa – paquerar, oferecer-se, ficar a fim
Arrumar prá cabeça – meter-se em confusão, puxar encrenca
Às veras – prá valer, de verdade
Assuntá – prestar atenção
Ataque de bicha – escândalo, convulsões em criança com
vernes.
Ataque de pelanca – crise ou ataque histérico, banal
Atoleimada – tola, abobada
Brasina – esfogueada, queimada do sol
Caco – á toa, mala, sem escrúpulos, objeto estragado e sem
valor (Aurélio)
Caipora – cabelo desgrenhado, maltratado, sujo, desalinhado
Carcar – empurrar, encher, entulhar
Casqueiro (essa é atualíssima) – viciado em crack, pedra
Curriqueira – mulher que não para em casa, vive fofocando na
vizinhança
Dijahoje – ainda a pouco
Derriada – Jogada (na cadeira), estarrada, derreada
Desmazelado – relaxado, mal arrumado, desarrumado
Dor nas cadeiras – dor nas costas
Empalamado – tristonho, doente, fraco, adoentado
Gadanho – garra, unha
Godera – Gulosa
Indês – ovo chamarisco, deixado no ninho, para que a galinha ponha
no mesmo lugar
Istepô – não é coisa boa, não presta (pessoa), usado também
de forma carinhosa
Istrovar – atrapalhar, complicar, (de estorvo)
Levado da casqueira – danado, perigoso, aprontão, travesso
Lonquear – tirar um pedaço (do corpo) com objeto perfuro
cortante.
Malfazejo – malvado, amigo de fazer o mal (Aurélio)
Mandrião – malandro, preguiçoso
Matulo – caroço na pele, cisto, inchaço, calombo
Ontonte – anteontem
Paranho – teia de aranha
Pianço – falta de ar, asma
Pinguelo – pênis, referencia ao órgão genital masculino
Pinta da mãe – xingamento referindo-se à vulva da genitora
Presepeiro – bobo, gabola, palhaço
Puto da cara – bravo, irritado
Rebardaria – bagunça
Telha corrida – esquecido, fraco da cabeça, desmemoriado,
doido
Vai prá brisa – vá à merda
Vai te catar – vá as favas
Varijão – homem alto e magro
Vasilha – à toa, caco, sem escrupulos ou princípios.
Zarro – sem vergonha, à toa, que não presta
Cabelo
de “caipora”. Como disse Sidney Magal: “esse poodle sou eu”